domingo, 19 de setembro de 2010

Paixão de Palco

Ele e ela sempre trocavam olhares apaixonados. Diziam frases apaixonadas. Beijavam-se apaixonadamente. Abraçavam-se apaixonadamente. Gostavam um do outro se uma forma que é praticamente impossível de se relatar, sendo mais fácil mostrar ao espectador usando a linguagem corporal e os movimentos e olhares, repito, apaixonados. E, depois de tudo isso, eram aplaudidos de pé. A platéia se levantava instantaneamente após o fim da peça e as luzes acendiam-se para que fosse desfeita aquela magia momentânea do teatro.
Mas, nas coxias, nos camarins e nos encontros para ensaio, há uma paixão não-encenada. Uma paixão verdadeira. Não o reflexo imperfeito de um autor de peças no auge de sua carreira. Uma paixão que se deixava agir nos palcos, disfarçada de atuação impecável. O sentimento era mais forte que a personagem, que, debaixo do foco de luz, desfazia-se num figurino suado e num homem perdidamente, repito, apaixonado. Homem este que se esquecia dos olhares sedentos por histórias mirabolantes, dos operadores de luz e som e do diretor que torce para tudo correr como esperado. Este homem, livre momentaneamente de sua personagem, canalizava seus sentimentos para o que sempre quis fazer. E o faz, até o fim da cena, quando volta a ser o herói do roteiro do autor em auge de carreira.
Os deuses do teatro diriam: "Pois, matem-no! Está estragando a pureza da arte com sua falta de autocontrole!". Mas um deles, o deus da performance, diria: "Deixa ele. Não há sentimento no teatro que se compare com a vida real.". E os outros deuses continuariam a resmungar, porque os amores não cabem nos palcos. Cabem somente na vida real.

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