domingo, 26 de setembro de 2010

Ilogicidade Construtiva

Era uma vez um patinho
um patinho muito estranho
nasceu de uma pata normal e de um pato normal
mas era um patinho estranho
era um patinho certo.

O patinho certo fazia as coisas certas
não as coisas bonitas
não as coisas bacanas
as coisas certas.

E os outros patinhos da lagoa começaram a se incomodar
"faça uma coisa ou outra errada, patinho! Tudo que você faz é certo, mas é tão feio."
mas ele era um patinho muito certo.

Até o dia em que ele (re)descobriu uma patinha da lagoa
e fez-se tempestades e trovões, som e fúria
em sua cabeça
porque ele descobriu que não sabia fazer o bem ou o agradável
só o certo

E o patinho, feio, certo, viu-se na situação mais estranha de sua vida estranha
Precisaria deixar de ser o belo cisne de uma ideal lagoa
pra ser o simples pato, bonito, errado e certo, agradável, bacana
um patinho feliz.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Melodia Apaixonada

Poderia a mais bonita canção de ninar
fazer nascer sentimentos?
fazer você por mim se apaixonar;
me livrar de todos os tormentos?

Quem há de saber o poder que tem
o coração que chora e sorri
ao som de uma música que vem
lentamente ao encontro de ti

Desperta, coração, desperta!
que a manhã já nasceu pra nós dois
ouve o som, a melodia esperta,
pra que caia em meus braços depois

Deixa nascer o amor mudo
que as falas só sujam o romance
deixa a melodia falar tudo
deixa o verão ao nosso alcance

Mantenha sempre vívida a atenção
nos vai-vens do violino, do piano
e vai perceber simples paixão
um dizer (quase sem rima): Te Amo.

domingo, 19 de setembro de 2010

Paixão de Palco

Ele e ela sempre trocavam olhares apaixonados. Diziam frases apaixonadas. Beijavam-se apaixonadamente. Abraçavam-se apaixonadamente. Gostavam um do outro se uma forma que é praticamente impossível de se relatar, sendo mais fácil mostrar ao espectador usando a linguagem corporal e os movimentos e olhares, repito, apaixonados. E, depois de tudo isso, eram aplaudidos de pé. A platéia se levantava instantaneamente após o fim da peça e as luzes acendiam-se para que fosse desfeita aquela magia momentânea do teatro.
Mas, nas coxias, nos camarins e nos encontros para ensaio, há uma paixão não-encenada. Uma paixão verdadeira. Não o reflexo imperfeito de um autor de peças no auge de sua carreira. Uma paixão que se deixava agir nos palcos, disfarçada de atuação impecável. O sentimento era mais forte que a personagem, que, debaixo do foco de luz, desfazia-se num figurino suado e num homem perdidamente, repito, apaixonado. Homem este que se esquecia dos olhares sedentos por histórias mirabolantes, dos operadores de luz e som e do diretor que torce para tudo correr como esperado. Este homem, livre momentaneamente de sua personagem, canalizava seus sentimentos para o que sempre quis fazer. E o faz, até o fim da cena, quando volta a ser o herói do roteiro do autor em auge de carreira.
Os deuses do teatro diriam: "Pois, matem-no! Está estragando a pureza da arte com sua falta de autocontrole!". Mas um deles, o deus da performance, diria: "Deixa ele. Não há sentimento no teatro que se compare com a vida real.". E os outros deuses continuariam a resmungar, porque os amores não cabem nos palcos. Cabem somente na vida real.

sábado, 18 de setembro de 2010

Malditos Poetas

Poetas. Malditos sejam os poetas. Desvirtuam as palavras de seu significado. Os poetas estão pouco importados com o como-se-escreve e muito com o o-que-se-escreve. Isso não pode permanecer assim. Nós, narradores, sim. Não nos escondemos atrás de máscaras metafóricas para dizermos o contrário do que se quer dizer e, ao fim de tudo, sermos entendidos. Dizemos o sim como sim e o não como não. Não dizemos borboletas: dizemos felicidade. Não dizemos pássaro: dizemos liberdade.
Venho por meio desta questionar até a validade do poeta. O poeta está para o texto como um cachorro está para um quebra-cabeças. O poeta sabe a ordem daquilo, mas prefere embaralhar e nos mostrar uma figura diferente daquela que ele realmente deseja. Não é bem um escritor. Não é bem um literato, o poeta.
Se bem que... o poeta capta bem o que está para ser sentido e não visto. O que está para ser lembrado e não escrito. A poesia da gota de orvalho não se resume a dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio. Como o poeta não se resume a escritor. O poeta é o Deus das palavras. As toma como quer para o que quer. Mudei de opinião. Benditos sejam os poetas, que, tresloucados, derramam sentimentos nos fins de caderno.

Ei, Shakespeare!

- Ei, Shakespeare! Você tá aí?
- Tô! Por quê?
- Queria falar com você.
- Falar o que?
- Sobre suas peças.
- Que tem minhas peças?
- Como você as faz?
- Não sei. Só faço.
- Como?
- Já se olhou no espelho, e viu dentro dos seus olhos castanhos?
- Já.
- Já achou que tinha mais de você no fundo da sua retina?
- Já.
- Minhas peças são o fundo dos meus olhos.
- Fundo dos olhos? Mas... e se eu usar óculos escuros? Shakespeare? Cadê você, Shakespeare? Droga, minha cabeça às vezes me fala cada coisa confusa. Né, Machado?!

Pimenta na Mente dos Outros é Refresco

Vem como quem não quer nada.
Poucos toques, muita graça.
Cara de criança, jeito de criança.
Pensa como adulto.
Sente como adulto.
E, como criança, despede-se de ser adulto.
Joga para o alto sua maturidade.
Tem oportunidade de ser mais criança.
De ser criança.
Falar como criança.
Mas, às vezes, seu olhar juvenil se perde,
desfoca-se num franzir de testa maduro.
Sem alegria nem felicidade, com introspecção.
É maduro, não é?
Não, não sou!
É sim.
Não sou!
Sou criança!

Pão Bom

Estava eu tomando café-da-manhã outro dia. O pão estava duro, borrachudo. Meu amigo comentou: "que falta me faz um pão bom." É verdade. Um pão bom faz muita falta. O pão bom que falta à maioria das pessoas. Um pão bom.
Um pão bom faz falta. Faz falta poder cortá-lo pra passar uma manteiga boa. Colocar um presunto bom dentro. Tomar um bom café-da-manhã. Ter uma boa manhã. Ter um almoço bom, uma tarde boa e uma noite boa.
Que falta me faz uma vida boa.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Muito Prazer

Encantada em conhecê-lo.
Você já me conhece, é claro.
Só não sabe que sou quando sou eu.
Não sabe dizer que você me sente.
Sabe aquelas vezes que você foi esquecido,
que foi excluído,
desprezado,
injustiçado,
mal-amado,
não-amado.

Sabe todo aquele seu esforço, quando não te rende nada.
Aquele seu sentimento, que não é correspondido.
Aquelas suas palavras que pairam no ar e te sufocam.
Aquela rosa tão linda que você ganhou e te espetou o dedo.
Aquela eterna enxaqueca da vida.
Aquele quero-ir-embora-daqui.

Tudo isso, debaixo do sol ou encoberto pelo eclipse,
quando se parece ter tudo ou quando se finge não ter nada,
quando estar por cima da carniça vira ser a própria carniça,
quando o brilho nos olhos é reflexo da lâmina da faca,
quando a beira do penhasco é tão aconchegante final pra tudo de ruim.

Sou eu.
Todas essas coisas sou eu.
Muito prazer, a Dor.