quinta-feira, 10 de abril de 2014

nada é

falsofalsofalsofalso
tudo ilusão
de que adianta viver
se nada é apreensível?
falsofalsofalsofalso

sábado, 5 de abril de 2014

Tanto

é tanto discurso
tanto percurso
que perco o chão da realidade
é tanto apego
(isso não nego)
que invento necessidade
é tanta ficção
tanta paixão
tantos livros e filmes perfeição e beleza cultura e história
que não conheço minha própria vontade.

domingo, 30 de março de 2014

Big Bang

abro um papel em branco
e pouso sobre ele minha caneta

- há de começar aqui o
Universo

Poesuco

Pôr à prova a realidade
e com ela toda a vida
humana
Esmiuçá-la bem
Manipulá-la
Espremê-la até o suco sair
Tomar o suco

Nutro minha poesia de ciência
e vivo pleno
na nova realidade

Nihil

nada existe

nada existe
nada existe
nada existe

aponto, com força,
dedo em riste
para o nada
que plana calmo
nuvem soprada
sobre pilhas e pilhas de livros

nada existe
nada
existe

me aponte o mundo
e te retrucarei o nada
aponte a história
minha resposta é o nada
códigos máquinas sentenças livros milenares sabedoria dos antepassados folclore popular
nada nada nada nada

nada existe
nada existe
nada existe

construamos.

domingo, 29 de setembro de 2013

FORTUNA - de William Kentridge

Fui hoje à Pinacoteca do Estado de SP e, por acaso, topei com a mostra "Fortuna", do sul-africano William Kentridge, contando com quadros, gravuras, esculturas, filmes etc. O autor utiliza predominantemente carvão nas suas composições, aplicando, desaplicando e reaplicando seus traços uns sobre os outros. Os tons vermelho e azul por vezes quebram a monocromia, mas são raros (e no entanto fundamentais para a obra). Do corredor externo para a área interna da mostra, vemos a primeira grande mudança fundamental de duas facetas da obra do autor: do lado de fora da mostra, vídeos que o retratam, sendo ele o ator de suas obras, que exploram alguns temas; dentro da sala principal da mostra, sua estética volta-se para sua produção gráfica, com os desenhos trabalhados principalmente com o carvão sobre o papel. Algumas considerações podem ser feitas em geral: o tom político de suas obras gráficas é fortíssimo, ainda que velado e contrapõem-se fortemente às obras que o retratam, que parecem buscar uma transcendência maior, além de um clima mais leve e mais humorístico. Em relação a particularidades, discorro a seguir:

MOSTRA EXTERNA: O HOMEM QUE FICOU vs. O HOMEM QUE PARTIU

A parte externa da mostra de Kentridge conta com alguns filmes (assisti a quatro) que apostam na sua atuação e em jogos de composição de câmera para passar sua mensagem. As temáticas que se colocam como fundo das obras (pelo que eu vi, todas) são fundamentalmente duas: a aula de desenho (como visto nos vídeos "Drawing Lesson") e o tempo. Em relação às Drawing Lessons, é curioso observar que todos os vídeos, pela reiteração de elementos e pelo próprio título, parecem remeter a aulas de desenho, como se o autor estivesse querendo indicar ao espectador como fazer desenho. Curiosamente, o desenho nos vídeos só parece fazer sentido quando colocado na perspectiva do movimento que estão sofrendo. Assim sendo, parece que o autor corrobora sua frase (tirada do folder da mostra):

"Quando era mais jovem, todos me diziam que, para ser bom em algo, é preciso ser espcializado. Se eu quisesse desenhar, deveria fazer apenas isso... Levei muitos anos para desaprender isso, para aprender que a única esperança de um desenho era se ele fosse, ao mesmo tempo, um desenho e parte de um filme. O que esta exposição faz é mostrar a indeterminação dos meios."

A outra temática, do tempo, percorre seus vídeos com precisão. Um metrônomo aparece em sua obra "Anti-Mercator" e seu tiquetaquear é incessante, pontuando a distinção fiel entre tempo e falta dele. É a recusa do tempo convivendo com a temporalidade, em substância concreta. No mesmo vídeo, a distinção entre a estaticidade e o movimento se faz patente com a sobreposição de um vídeo do autor correndo e de um outro vídeo que mostra uma mão desenhando uma caixa em volta do próprio autor correndo. Se está correndo dentro da caixa parada; a visão do autor divindo um desenho de uma reta temporal em partes iguais e opinando sobre a infinita divisibilidade do tempo se sobrepõe às páginas que, em oposição, mostram o texto escrito do "homem que ficou" contra o "homem que partiu", um com frases de planos "I will" e outro com realizações. O tempo permite a concomitância dessas formas, mas não permite que paremos. Em outro vídeo, a aparição de três versões do autor, cada uma fazendo uma ação (um lendo um texto, um alternando entre a trompa e o texto, e outro tocando a trompa com a ajuda de seu abafador/desentupidor de privada), contracenando com uma máquina que canta ópera parece, novamente, colocar na perspectiva da contemporaneidade quatro momentos da produção artística humana, no que respeita a junção de música e poesia.

MOSTRA INTERNA: RUPTURA E CONTINUIDADE, DESENHO E APAGAMENTO, BRANCO E PRETO - A ÁFRICA DO SUL EM DESENHO

Na mostra interna, os tons políticos do autor transparecem com força descomunal. Seus estudos de desenho se expõe na segunda sala, mostrando quadros em preto-e-branco marcados com auxiliares de desenho em vermelho: é a vocação intrutora reverberando o espírito das Drawing Lessons, mostrando ao espectador que a obra é técnica, e guarda em seu âmago e superfície todo artifício usado pelo desenhista.
Abundam também as obras feitas sobre outras fontes - páginas de enciclopédias, de livros, de revistas e jornais - que parecem dizer bem sobre a continuidade como tema do autor: nada é novo, tudo só existe sobre uma outra fonte. Um conjunto de cartazes de protesto jocoso sobre o portal da sala, escritos em vermelho sobre páginas de antigos livros reforça a imagem visual, lhe colocando ainda a força de pedir mudança usando como base o antigo.

Nas próximas salas da exposição, um conjunto de gravuras que foram usadas para a base dos filmes que o artista produziu de 1989 até 2012 são o chamativo, mas o importante está nas salas de projeção, onde estão expostos os curta-metragens que deixaram famoso o artista. A maioria deles baseia-se na constante ruptura que há entre os tons de preto e branco na obra: parecem constituir-se como a alma do artista. Não por acaso, porque Kentridge viveu na África do Sul desde seu nascimento, em 1955, vivendo, portanto, o período de apartheid que tanto opôs (como sua obra) negros e brancos. O impressionante movimento de seus filmes dá-se com o surpreendente efeito de se desenhar (com carvão) e apagar a figura para fazê-la mover-se, deixando, nesse processo, a marca do que havia sido desenhado antes: é a concretização visual da continuidade das ações, da inexistência da ruptura em si. O que é preto agora no segundo seguinte será branco, mas o  processo ocorreu e deixa marcas de si pelo caminho.

Em "Other Faces", a violência inerente a essa oposição é fundamental para o movimento da obra: a batida de carro, observada de uma perspectiva superior e depois no nível do solo, mostra um negro e um branco gritando um contra o outro, com o ponto alto da frase escrita "You fucken white man", se opondo à constante imagem do fotógrafo que tira fotos apenas dos negros, sendo, ele mesmo, branco.

Em "Weighing... and Wanting", a possível perda da mulher para uma doença surge com a imagem precisa do corte: uma massa disforme é cortada por linhas vermelhas que sobressaem aos olhos do espectador, revelando, com a metáfora da tomografia, a ruptura inerente à morte de um ente querido. As chagas da esposa que são substituídas pelas vigas de aço das torres de energia constituem imagem forte também. As imagens da esposa sendo apagadas e substituídas por objetos - em especial seus favoritos: o telefone, o mataborrão e a máquina de escrever - nos prende à perspectiva de não sobrar resquício do que passou, mesmo que esse resquício seja um traço de carvão mal apagado.

Já em "Stereoscope", a linha de telefones aparece concretizada em traços azuis que, atravessando a cidade, vão ligando e cortando as cenas urbanas, juntando cidadãos e criando uma barreira de si para si mesmo, colocado o autor como personagem. Ao final, apenas uma explosão pode tratar de aniquilar aquele único que não se conecta com o mundo todo.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Incomunicável

Vou produzir uma obra
a mais magnífica obra
que ninguém vai entender

Fundirei no mais puro bronze
um grande, altivo Belerofonte
mas ninguém vai entender

Pintarei magníficas telas
cantarei as canções mais belas
apesar de ninguém entender

Tentarei toda sorte de gênero
do baixo ao alto, além do ameno
pena que ninguém vai entender

Cansado, com fome, aflito
lançarei mão de um único grito
"Alguém vai entender?"

No final, acabará o problema
eu farei meu próprio poema
para ninguém mais entender.