segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Minha filosofia da composição


(a Edgar Allan Poe)

            Talvez um dos maiores mistérios da humanidade seja aquele referente à origem da inspiração humana para produzir arte. Não sou neurologista e apenas aspiro arrogantemente a psicólogo, o que acaba por não me permitir os pitacos no que tange à matéria psíquica alheia, em especial sobre quais processos levam o cérebro de um estado A, que não é levado a produzir arte, ao estado B, de inspiração (outrora chamada “entusiasmo”, ou seja, “com deus dentro de si”). A única matéria mental à qual possuo acesso não é outra senão a minha, e, mesmo a essa, o acesso é parcial e incompleto. Sobre a mudança de estados, A para B, no que respeita à minha psique, tenho algo a falar: há determinadas situações, determinados sentimentos e determinadas brincadeiras (especialmente as brincadeiras com a linguagem) que fortemente convencem às canetas de que pertencem à minha mão e os cadernos, de que lhes agrada mais a tinta que a brancura. Diante desse convencimento, assim como Valery, não produzo música, porque não me compete, mas produzo palavras, sintagmas, períodos, textos... Sei, com bastante segurança, que dentre as faíscas que dão ignição ao meu escrever estão as injustiças, as desigualdades, a modernidade e (acho que principalmente) o sofrimento humano, matéria que me apetece como o faz um câncer ao oncologista. De minha parte, no que tange ao impulso inicial, à espoleta do artista, acho que disse tudo.
            Contudo, não escrevo aqui para isso. Ainda na linha do parágrafo anterior: escrevo inspirado por “A filosofia da composição”, de Edgar Allan Poe. Pretendo aqui não imitar o mestre, posto que seria uma luta perdida já de início, mas aproximar a minha prosa simplista à genialidade de Poe. No meu contexto, vou explanar meus processos de engenharia da prosa fictícia do meu conto “Outdoor”, menos por sua fama (por certo que não sou famoso) do que por sua progenitura. Alego, assim como o mestre, que não há tanta inspiração quanto há transpiração no meu texto; é antes um engenho projetado e construído do que um discurso por invocação das musas. Detenho-me mais longamente nisso: tenho pés firmemente apoiados num materialismo ímpar, de modo que não acredito em forças etéreas que possam vira manipular – nem para o bem e nem para o mal – a mente humana. Creio fortemente no funcionamento do ser humano como máquina, com seus fluídos próprios e seu maravilhosamente complexo sistema computacional Nesse meu olhar sobre a humanidade, tem lugar uma apaixonada defesa das potencialidades humanas, capazes, a meu ver, de produzirem as mais belas obras de arte sem nenhuma inspiração divina. Confio, sim e apesar de tudo, no ser humano.
            Dito isso, eu exponho meu processo criativo. A matéria, como eu mesmo já comentei, que mais me toca é a do sofrimento humano. Não é por acaso que é o elemento de desfecho do conto. Acentuando esse meu algoz, está algo que, creio eu, é característica própria da sociedade capitalista/consumista/individualista: o descaso de um ser humano para com o outro; no caso, para com o sofrimento do outro. Além disso, na minha condição de estudioso das Letras, toda mensagem criada merece ser lida, pois é expressão humana de algum tipo. A cidade de T. discorda, como visto. Por isso a combinação das três características: uma mensagem não lida, cuja não leitura ratifica o desprezo das pessoas pelo sofrimento de uma delas. Poucas coisas haveriam de me dar tanta aflição quanto essa monstruosidade. Encontrado o elemento significativo-simbólico central do texto, pus-me a delinear as suas periferias.
            Para tal, detenho-me novamente em outro aspecto contextual: faz alguns anos já que há na minha cidade, São Paulo, uma lei, chamada “Lei Cidade Limpa”, que regulamentou as formas de publicidade visual, eliminando da vista dos cidadãos os outdoors que poluíam imensamente a beleza local. Supus a mesma situação em T., com uma desculpa que me pareceu mais coerente do ponto de vista racional. Nova detenção: sou, ou pelo menos considero-me, uma pessoa bastante racional; a razão, contudo, encontra seu limite, a meu ver, exatamente numa emoção humana: o sofrimento. Basicamente minha única ressalva ao uso da razão é o sofrimento humano. Sob minha perspectiva, portanto, o zelo pela racionalidade como superior à emoção (ou, como gostariam os gregos, “λόγος” como superior ao “πάθος”) seria um objetivo nobre de uma cidade, sustentado até o final pelas políticas públicas. Contraposta a isso, a Universidade expunha, no conto, um dos pensamentos que considero mais perniciosos, mas talvez mais úteis quando se trata de erradicar o sofrimento[1]: a exaltação dos sentimentos confortáveis, como a alegria e a felicidade. Quis, com essa oposição entre a intenção da Cidade e a da Universidade, criar uma falsa dicotomia entre razão e sentimento, entre objetividade e subjetividade, entre verdade e publicidade. Deixei propositalmente que os sentimentos tristes fossem excluídos de ambas as posições, para aparecerem ao final como clímax do conto.
            O modo de narrar a história, ainda mais do que a oposição descrita no parágrafo anterior, foi friamente arquitetado, mas para explicá-lo antes tenho de discorrer sobre uma temática do conto, que sustenta todas as discussões sobre a legitimidade do outdoor. A temática à qual me refiro é a das instituições. Como pode ser observado, as ações humanas no conto só se passam no âmbito das instituições formais (a associação do bairro, a Subprefeitura, a Prefeitura, a Universidade etc.), o que denuncia minha inclinação ao desgosto por elas. A meu ver, o homem é mais pleno para exercer sua existência quando está livre das instituições inúteis que o cercam. No conto, é possível cogitar que as pessoas pudessem ter salvado o José L. do suicídio, se não tivessem entregado todo seu poder de ação às instituições às quais pertenciam ou se reportavam. A ação “humano a humano” é, a meu ver, muito mais legítima forma de interação do que aquela que se subordina às ficções institucionais. Como essa temática tinha que ser apresentada como natural e as instituições tinham que ser vistas pelo leitor como naturais até o momento do desfecho, pensei inicialmente em utilizar uma voz onisciente, que, por causa de sua impessoalidade, cumpre muito bem com as necessidades das instituições; minha opinião mudou quando concebi a mudança de valores que ocorreria no clímax da história. Essa mudança não poderia acontecer com um narrador impessoal, afastado das emoções humanas; teria que acontecer com uma personagem, narrando a história de acordo com sua perspectiva dos fatos. Como minha ênfase ainda estava na influência que têm as instituições sobre as pessoas, tratei logo de amarrar minha personagem-narrador a tantas instituições quanto pude sem que eu denunciasse minhas intenções. Pude, assim, criar uma personagem que estava indiferentemente colocada dentro de algumas instituições que a sufocavam sem que ela percebesse. Ela só o faz quando se depara com as medidas últimas das posições institucionais: o confronto violento. Quis, de certa forma, alertar para os perigos que enxergo no depósito total de confiança que as pessoas costumam fazer em relação às instituições e às visões ideológicas destas.
            Como elementos ainda presentes, mas secundários, está elencados alguns aspectos. A explicitação do tempo que as instituições levam para debater o caso do outdoor é minha crítica ao excesso de burocracia e, obviamente, de institucionalização da sociedade à qual pertenço. Outro: a ideia de alguém que se suicida após ter um pedido de ajuda negado é constituinte notável das minhas memórias da minha época de depressão; acho fortemente que todos os humanos compartilham de uma certa responsabilidade em relação aos outros seres humanos, justamente por compartilharem a humanidade como característica de si mesmos. Por isso, a falta de atenção da cidade pelo sofrimento de José L. levou às consequências extremas. Outro: a referência da qual tomei emprestado o nome é de José L. é o protagonista de “O Processo “, de Franz Kafka, que, assim como a minha personagem, possui uma versão do nome “José” e a inicial do sobrenome do seu autor. Ainda em referência a Kafka está a temática das instituições: em “O Processo”, o protagonista também encontra-se subordinado caoticamente a instituições confusas e que dominam os acontecimentos em torno dele.
            Numa retrospectiva, então, sumarizando os pontos que tentei colocar no conto (para alegria dos meus amigos que não se contentaram com a minha postura de “cada um interpreta o que quiser”) temos um desprezo pela subordinação humana às instituições, um aviso aos males do individualismo moderno, um apelo para que olhemos mais para os sentimentos alheios e um mórbido retrato do que teria acontecido à minha pessoa se eu não tivesse recebido a ajuda dos meus amigos.


[1] Sim, estou ciente do paradoxo de querer e não querer o sofrimento ao mesmo tempo. Prego, talvez utopicamente, o alcance da felicidade através da racionalidade. Se a felicidade irracional for a tese e o sofrimento racional, a antítese, eu espero que a síntese seja a felicidade racional.

Ensaio sobre a Estética da Barbárie


            De certa forma, sinto-me impelido a escrever algo sobre Estética, em especial após ter tido contato com alguns pensamentos de Theodor Adorno. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, houve esse apelo de alguns setores da crítica literária (e artística, de uma forma mais abrangente) para a tematização do extermínio propiciado pelo III Reich, sob o comando do famigerado “Führer”, Adolf Hitler. Judeu que era, Adorno era um dos que julgava de grande necessidade a abordagem do Holocausto (ou “Shoah”/“השואה” em iídiche, como preferem os judeus) nas variadas formas artísticas, em especial na literatura. Chegou a afirmar que qualquer poema alemão “após Auschwitz” seria um ato de barbárie[1]. Começou com isso o problema da oposição em retratar ou não a barbárie.
            A instituição do que é “Barbárie” já é em si problemática. Podemos observar claramente que o extermínio judeu na Alemanha nos anos de 1930/40 pouco difere qualitativamente dos cometidos por espanhóis e portugueses contra os habitantes nativos da América; igualmente em relação às Caças às Bruxas e da Inquisição, perpetradas pela Igreja Católica; o mesmo se dá sobre as intervenções estadunidenses e israelenses no Oriente Médio após 1967. Por que então apenas em relação ao primeiro fato faz-se a problematização da “Estética do Mal”? O argumento, a meu ver, mais propagado é o da desumanização do povo judeu durante a “solução final” nazista. O mesmo não ocorreu nas demais situações? A proximidade dos afetados com o ocorrido, cronologicamente falando, também é argumento. Mas também eu, que tenho um oitavo de sangue sírio, não tenho direito ao resguardo internacional pelo sofrimento do meu povo? Quais são os critérios para estabelecermos os limites do que é e do que não é “Barbárie”?
            Na minha opinião, um ponto em que devemos nos concentrar nessa discussão é o do anacronismo. Quando analisamos um fato, ele já é passado, uma vez que a perfeita concomitância entre ação e discursivização dessa é claramente um limite da linguagem humana. Assim sendo, toda análise vem a ser, sob essa ótica, um anacronismo. Certo julgamento, de arrogância ou prepotência, pode recair sobre minha cabeça agora, mas arrisco: acho que há, num sentido não-positivista da questão, uma certa evolução em alguns aspectos da cultura dos povos[2]. Que houve certa involução, não nego, mas houve aspectos em que tivemos crescimento e melhorias na qualidade de vida dos humanos. Coloco-me em consonância com o sociólogo Amartya Sem, que afirma que uma sociedade tem tanto progresso quanto for a liberdade humana em seu interior. Particularmente, acho que vivo no momento em que mais há liberdade humana, pelo menos se fizermos uma retrospectiva dos últimos mil anos. Assumo que não há um ideal universal de como devem viver as pessoas; acho, porém, que temos uma essência que busca pela liberdade, um polo da natureza dentro da consciência de casa um, o que me permite, com certas ressalvas, elencar a liberdade como uma das necessidades humanas básicas e, portanto, a contemporaneidade como uma das épocas mais desenvolvidas nesse quesito. Temo ser dogmático e alienado, mas acho que, na análise do que é ou não é “Barbárie”, podemos sim utilizar alguns valores contemporâneos, sempre com parcimônia. O problema do anacronismo não desaparece, obviamente, mas pelo menos dentro de um mesmo Zeitgeist, teremos os mesmos valores para embasar nossos julgamentos históricos. Mas por que, voltando à questão judaica, dentro da análise embasada nos mesmos valores (de respeito à vida e de tolerância) o caso judeu difere dos casos ameríndio e árabe?
            A “Barbárie” está nos olhos do contexto, como podemos verificar através do dado temporal. Mas o que haveria de explicar a condenação e subsequente problematização do extermínio judeu em oposição a outros é uma questão de poder. Um clichê da historiografia (em especial aquela calcada em uma herança positivista) é que “a história é escrita pelos vencedores”. No caso, parece-me que o clichê se confirma. Não houve uma elite internacional vinculada aos índios que pusesse seu extermínio como “barbárie”, a ponto de haver o questionamento referente à necessidade e à possibilidade de retratá-lo na arte; da mesma forma, as forças de resistência árabes são tidas como terroristas e os judeus e estadunidenses, ainda do lado das elites, como heróis da democracia no Oriente Médio. A “Barbárie” não é, portanto, uma violação dos valores humanos básicos; é antes, uma violação dos valores humanos básicos quando direcionada EXCLUSIVAMENTE aos donos do poder, à elite.
            A “Estética da Barbárie”, nesse sentido, é mais do que a representação de violações aos humanos. Constitui-se como posição ideológica, colocação no jogo sócio-político numa disputa de poderes opostos. É um perigo, pois reafirma a posição superior da elite. Os espanhóis, vistos sob a ótica do século XVI, estavam civilizando os primitivos e desalmados nativos da América; sob a nossa ótica, massacrando um povo e colocando sua cultura na direção da extinção. Parcial, tendenciosa e indisposta a ver os dois lados do processo histórico (e sua dialética inerente e incontestável, porque é parte do passado), a “Estética da Barbárie” institucionaliza a visão historiográfica positivista na matéria que, a meu ver, deveria ser a mais livre de influências estranguladoras, que é a Arte. Está longe de mim o desejo de não representar as violações à humanidade: acho que é constituinte próprio do ser humano a dialética entre felicidade e sofrimento, que produz arte dos interstícios entre esses dois polos. A “Estética da Barbárie” representa apenas metade do sofrimento humano, apenas a metade vencedora, e exatamente nesse ponto é perniciosa. Exemplifico: tal Estética, no contexto médio-oriental, preza por descrever, representar e apresentar o quanto sofrem os israelenses por causa dos ataques de seus vizinhos palestinos; não dá conta, entretanto, do fato de que os israelenses possuem Forças Armadas extremamente bem treinadas ou que sua nação é essencialmente beligerante (há alistamento obrigatório inclusive para as mulheres), em oposição à resistência palestina, desarticulada justamente porque há uma oposição na ONU, da parte dos EUA e de Israel, à criação de um Estado Palestino. A cruel “Estética da Barbárie” exalta os sofredores que vencem, independentemente de estarem agindo corretamente ou não. Aos que perdem, nem uma vírgula na história; talvez sejam lembrados por terem sido os vilões subjugados pelos mocinhos heróicos.
            Dessa maneira, a “Estética da Barbárie” encaixa-se muito bem na cultura de bases judaico-cristãs, com a exaltação do herói (ou seja, do vencedor) que passa por privações para alcançar seu objetivo. Esse sacrifício aumenta o merecimento do herói e o coloca num posto de elevação espiritual. O aspecto aí apontado baseia-se também noutra questão: o merecimento leva ao sucesso, doutrina baseada, suponho eu, nas promessas divinas para o post mortem. Esse heroísmo judaico-cristão dos sacrifícios justifica em boa medida a “Estética da Barbárie”, baseando-a na ideia de que se há um vencedor, esse só pode estar do lado correto, do lado do bem, uma vez que Deus não beneficiaria um pecador, alguém agindo a favor das forças malignas. Na Queda do Homem vemos que o pecador é condenado; no Êxodo, que o crente é recompensado. Não podemos escapar desse destino histórico-sócio-ideológico sem antes nos propormos a quebrar nossos laços com essa tradição, em nome do bem-estar humano. Sem esse rompimento, estaremos fadados a repetirmos as análises históricas positivistas, as injustiças das elites, a exaltação do opressor e os lugares-comuns análogos na história do ser humano.
            Apesar disso, acho que há como escapar e reverter essa situação. Os processos históricos não devem ser vistos no após e nem no antes; devem ser vistos no durante. A verdadeira “Barbárie” não existe. Existe, sim, a luta constante entre opressor e oprimido e essa deve ser contada, mas verificada na presentificação das ações: em 1940, na Alemanha, o III Reich era o opressor e a comunidade judaica (e outros grupos sociais), o oprimido; em 2012, no Oriente Médio, a comunidade judaica é o opressor e a comunidade palestina, o oprimido. A história da humanidade é a história da relação opressor-oprimido. O opressor é o sujeito histórico a ser condenado, independentemente de vencer ou não na luta histórica. Inauguro, talvez, a Estética da Anti-Opressão: não quero a exaltação da condição do oprimido, mas sim o encorajamento da resistência, das insurgências, dos levantes populares. A Estética da Anti-Opressão teria um único objetivo, o de incentivar a luta contra as forças subordinadoras, contra o subjugo de forças sobre pessoas, contra a imposição de valores. Exaltemos não a inversão do jogo de poderes, porque a comunidade judaica passou de oprimida a opressora, mas exaltemos a anulação das forças de opressão, a neutralização dos jogos de poder humanos. Só assim, talvez, a Estética elevar-se-á.



[1] „Nach Auschwitz ein Gedicht zu schreiben, ist barbarisch“. ADORNO, Theodor. Kulturkritik und Gesellschaft.
[2] Reforço que não tenho inspirações positivistas, nem compromisso com as teorias de que “o homem mais civilizado é o mais evoluído”. Acho apenas que algumas coisas melhoraram no decorrer da história humana e a isso chamo “evolução”.

Ensaio sobre a Loucura

Sei que um dia enlouqueço
por mais que finja a minha aparência
um dia enlouqueço
e passo a viver de verdade

Enlouqueço e fujo-me
fujo das minhas ciências
não palavra habilidade segurar a primeira pessoa enunciador
inclusive não sintaxe
um dia enlouqueço
e passo a viver de verdade

Enlouqueço e vivo todo mundo
- porque enlouquecer e matar a todos
não faz bem pra ninguém -
um dia enlouqueço
e passo a viver de verdade

Enlouqueço e saio sem roupas pela rua
a encontrar outros prisioneiros e dizê-los
~enlouqueci, meus caros, enlouquecei vós também~
um dia enlouqueço
e passo a viver de verdade

Enlouqueço e esqueço a poesia
ela só é meu pezinho na loucura
quando estiver na loucura total
pra quê pezinho, minha gente?
um dia enlouqueço
e passo a viver de verdade

Um dia enlouqueço
e vejo que eu vivo de verdade

domingo, 25 de novembro de 2012

Coração Principal

Essa coisa de coadjuvante por vezes me incomoda
não que haja problemas
nunca houve
não houve
não há

mas há sim
porque: vejamos bem como funciona o nosso coração, meus caros
existimos e estamos por aqui, muito bem, obrigado
somos às vezes coadjuvantes, às vezes figurantes, às vezes protagonistas (e, creio, às vezes antagonistas)
esse movimento, creio, é necessário para um entra-e-sai-e-entra-e-sai da pessoa
dentro do próprio coração

Essa coisa de muito eu
acaba deixando a pessoa louca
mas essa coisa de pouco eu
também não faz bem
prefiro o devir.

Não aguento mais essa coadjuvantividade
quero ser protagonista da minha vida.

domingo, 28 de outubro de 2012

OUTDOOR

Qual não foi a surpresa de todos os cidadãos quando, naquela fria manhã de vinte e cinco de abril - sim, abril faz frio por aqui -, José L. ergueu à frente de sua casa um outdoor luminoso branco com letras garrafais pretas, em caixa alta? A indignação atingiu níveis alarmantes. Paro nesse momento a minha narrativa (prometo que continuarei no próximo parágrafo) para explanar um ponto fundamental da legislação da minha cidade, o Município de T.: aqui é proibido erguer outdoors ou placas de comércio muito chamativas, a fim de proteger os munícipes da institucionalização da propaganda como portadora das verdades absolutas.

[Retomando:] A indignação atingiu níveis alarmantes. O Sr. José L. morava no bairro Jardim B., o qual possuía, desde os tempos da oligarquia, um órgão deliberativo, uma associação dos moradores chamada AMORJB. A Sra. e o Sr. J., da casa ao lado, foram os primeiros a prestar queixas, na reunião que sucedeu o ocorrido. Eu cito a ata (com propriedade, pois era o secretário de mesa da AMORJB à época): “O Sr. D., Presidente da Mesa, pediu calma aos presentes e abriu a Assembleia Extraordinária com o depoimento da Sra. J., residente à Rua W. - nº25 -, com uma reclamação de propaganda indevida no bairro.”

RECLAMAÇÃO DA SRA. J.: “Ontem pela manhã eu acordei com a pulga atrás da orelha, bem sabe o J. que eu tenho sexto sentido pra essas coisas, pra malandragem do José L., o J. sabe, aquele sem-vergonha. Pois não é que eu ‘tava certa de novo, gente! O mau caráter do José L. colocou um maldito dum outdoor na frente da casa dele! ‘Tá impedindo o sol de secar minhas roupas ao meio-dia!”

Aí então a assembleia virou uma bagunça completa, ninguém entendia nada que não fosse reclamações sobre o José L., aquele salafrário. Pois afinal (já que tudo se resolve somente no final das coisas) decidiu-se levar o caso à Subprefeitura da Zona 3, onde estava localizado o Jardim B. O Subprefeito, Coronel R., localizou seus assistentes para debater a questão, como disse a Gazeta do dia seguinte. Houve três reuniões, ou cinco, ninguém soube me dizer muito bem (apesar de eu ter amigos que trabalhavam na Subprefeitura) se essas duas reuniões - essa margem de erro - foram reuniões mesmo ou somente almoços solenes do Coronel. O que eu mesmo vi foi, na manhã seguinte à quinta (ou terceira) reunião, o Coronel em pessoa entrando no Palácio da Prefeitura.

A cidade parecia respirar pesadamente durante toda a manhã. Não havia um transeunte que não parasse e olhasse apreensivamente para as antigas portas de madeira, com o hino da cidade inscrito em cobre fundido, que abriam-se imponentes e acolhedoras aos cidadãos e suas queixas formalizadas. Soube disso, contudo, só à noite, quando meu pai, dono da banca de jornais em frente à Prefeitura, contou-me que nada havia sido decidido naquele dia.

Uma semana depois, enquanto eu passava pela Praça Imperial, vi a aglomeração em torno do Palácio da Prefeitura. Sobre os degraus de granito estavam o Prefeito, um palanque e dúzias de repórteres dos jornais e das rádios que disputavam com seus microfones uma brecha no raio de alcance da voz do palestrante. Encostei-me à banca do meu pai para ouvir o rádio: “... e decidimos aqui na cúpula dos secretários do Município que o assunto do outdoor, erguido à Rua W. pelo famigerado Sr. José L. não cabe ao Executivo, senão às instâncias jurídicas dessa cidade tão gloriosa...” e continuava.

Estava, à época, com meus vinte e cinco anos, o que justifica minha amizade com membros do corpo discente da Universidade local - importante instituição da Cidade. Meus amigos contaram-me o que acontecia dentro dos portões da academia: os semioticistas, os filósofos, os matemáticos e até mesmo os teólogos debruçaram-se sobre a matéria do outdoor. A Escola Estética da Universidade propunha novos paradigmas baseados nas revoluções que a mídia haveria de sofrer com esse choque, especialmente no que tangia à manipulação de informação objetiva. Havia décadas que a publicidade em T. sofria com uma censura grande a tudo que pudesse dominar ou subjugar os pensamentos racionais dos cidadãos. Os sentimentos, como matéria menos digna de confiança que era, foram deixados de lado até esse momento, o das discussões acadêmicas, as quais propunham que a publicidade, dali em diante, estivesse a serviço da felicidade local, pouco importando as verdades absolutas ou os sentimentos negativos.

Havia, contudo, um primo meu - que se mudou depois para outro estado - que trabalhava no Tribunal Municipal por aqueles tempos. M. era apenas um funcionário administrativo, levava documentos àqui e àli nos corredores do Palácio da Justiça. Consta em seus registros (até mesmo hoje em dia, depois de tudo que aconteceu) que nunca incorreu em infração regulamentar ou quebra de decoro de sua profissão, apesar do que lhes confessarei agora: M., no calor da situação que ameaçava a cidade, pôs-se como vigilante popular e abriu um envelope (ele já mora em outro estado; posso dizer do envelope: confidencial!) que não continha outra coisa que não o trâmite judicial contra o Sr. José L. Nesse momento, já fazia uma semana da pronunciação do Prefeito, tempo incrivelmente curto para uma questão judicial, mas uma eternidade no contexto de tamanha contravenção. Lá em casa, todos soubemos rapidamente, por causa do meu primo, o que aconteceria ao maldito José L. Não me lembro exatamente das sentenças - até porque não sou jurista -, mas se eu me pusesse a reescrevê-las, creio que teriam certamente semelhanças confiáveis com o seguinte:

Seria “Sentença do Processo nº2562525, do Município de T. - Processo: Promotoria vs. Sr. José L.; sentença final da primeira instância judicial: 1. Caberá ao Sr. José L., residente à Rua W. - nº24 -, a remoção do pernicioso “outdoor” erguido no endereço citado, provendo ao Estado a quantia necessária a essa remoção; 2. Sob tutela da Polícia Militar, está sentenciado o Sr. José L. a dez anos de reclusão por executar ato ilícito tão odioso e contrário à moral e à lei do Município de T.” ou coisa que o valha.

Nós, lá de casa, que dependíamos da venda dos periódicos para garantir nosso sustento, tratamos logo de enviar - sob cuidadoso anonimato - uma cópia da sentença à Gazeta, a fim de que a tiragem da semana seguinte fosse garantidamente grande e a banca do meu pai tivesse bons lucros. No dia seguinte estava instaurado e promulgado o pandemônio completo. As pessoas, praticamente todas as pessoas - eu, inclusive - saíram às ruas. Não havia dúvida do que aconteceria ou para onde estavam todos indo: a Rua W. - nº24 - receberia uma horda enfurecida à sua porta. Como todos, fui. Chegando lá, a aglomeração já se mostrava perigosa; havia um embate na iminência de acontecer, uma faísca parecia irradiar dos dois grupos que se antagonizavam em plena Rua W. De um lado, a AMORJB e a Polícia Militar exigiam que fosse desfeita a barricada e que o Sr. José L. fosse entregue a eles; do outro, a comunidade acadêmica da Universidade local havia construído a já mencionada barricada a fim de proteger o visionário Sr. José L. daqueles censores que queriam impedir um avanço estético e filosófico do Município. De um lado, a verdade objetiva lutava por seu domínio pré-estabelecido; do outro, a ideologia da propaganda da felicidade buscava trazer o hedonismo de volta do túmulo em que a razão o colocara.

A batalha, enfim, deflagrou-se. Tiros de borracha e cadeiradas, vassouradas e pauladas foram distribuídas a torto e a direito. Uma ou duas caixas de madeira passaram voando pela minha orelha. Na multidão pisoteada eu vi dois amigos universitários atracando-se com meu primo. Engatinhando sob aquela batalha digna de um poema épico, esgueirei-me até a proteção da mureta da casa do nº24. Havia sido uma péssima ideia ir àquele campo de batalha urbano. Eu só pensava em me esconder. Na minha fuga, desviei do que me pareceu na hora uma viga de aço - mais tarde soube que era o pé do outdoor - e entrei correndo na casa do próprio nº 24. E aí veio a surpresa.

Eu paro minha narração aqui novamente. Preciso dar algumas explicações antes de continuar; do contrário, quem me lê não entenderá alguns pontos do que está para acontecer. Não que realmente haja necessidade de estabelecer algum contexto: acho que o que realmente precisava ser dito já o foi. Falta, contudo, na minha opinião, um detalhe fundamental: o porte de armas em T. era irrestrito. Depois dessa leve digressão, retomo.

[Retomando:] E aí veio a surpresa. José L. jazia morto, já fétido, em decomposição no hall de sua casa. Uma arma pendia de sua mão já frouxa, já cheia de moscas ao redor. O que me enojou em especial foi o fato de a parede e o chão estarem sujos com os miolos e o sangue já escuros e coagulados que espirraram de seu crânio partido. Até mesmo antes do laudo da Polícia Científica ser notificado na Gazeta, eu sabia afirmar: suicídio.

Saí atabalhoado, gritando da casa nº24. A batalha parou: todos achavam que de dentro da casa só poderia sair o Sr. José L., mas a visão da minha pessoa gritando fê-los todos tremerem. “José L. está morto!”, eu gritei; “Se suicidou!”. O povo de T., muito religioso, voltou seus olhos para os céus, para rezarem pela alma do pobre José L. E foi aí que nós todos lemos o terrível, o agourento, o mórbido e desesperado outdoor luminoso branco com letras garrafais pretas, em caixa alta, que dizia:

ESTOU SOFRENDO
ALGUÉM ME AJUDE

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O Menos Pior

     Vi-me nessa semana com um periódico de uma facção da juventude esquerdista de um partido trotskista. Evito mencionar qual. Independentemente da beleza do idealismo socialista-trotskista, com a IV Internacional e a internacionalização do governo popular, operário e proletário, me pareceu, a princípio, somente infantil e idealista mesmo. Minha leitura seguiu e minha tranquilidade rapidamente desapareceu. Explico por que.
     A crítica que me tomou de sopetão foi especificamente a crítica ao Governo Obama nos EUA, dos anos 2009 a 2012. O Governo Obama foi um governo estadunidense invasivo e com políticas internacionais intervencionistas? Foi, sem dúvidas. Cometeu crimes internacionais e contra a humanidade? Cometeu. Defende os interesses da burguesia capitalista e dos banqueiros bilionários que quebram bancos de outros países? Defende. Até aí, concordo, é um governo bizarro, antidemocrático, antirrepublicano e terrorista.
     O problema na crítica foi exatamente no ponto em que se discutiu a sucessão presidencial que será votada nesse ano, para assunção em 2013. O Democrata Obama concorre contra o Republicano Romney. Dentro desse sistema bipartidário, vejamos os candidatos: Obama defende a continuação do seu programa de assistência médica universal (o primeiro da história dos EUA), o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a diminuição das tropas no Afeganistão, o aumento de políticas de assistência social e os direitos das mulheres de autodeterminarem o futuro de seus corpos; Romney defende que "corporations are people", que abortos em caso de estupro não são totalmente legítimos, que os grandes bancos devem poder continuar suas políticas de exploração da população e que "x americanx de verdade sobe na vida sem a ajuda do governo" (a nojenta e já bem conhecida doutrina do selfmade man). Dentre os dois, um advogado havaiano negro e um mórmon dono de empresas multibilionário, minha escolha é óbvia. A do partido ao qual me referia, não.
     Esse é o ponto. O partido não aceita a ideia de que haja apoio ao Presidente Obama em sua reeleição. Seus argumentos sustentam-se numa crítica a um propagador do capitalismo, crítica que é absolutamente válida, sim!, mas é irreal tomada a situação política estadunidense atual. Umx candidatx operárix, de esquerda, pró-povo seria rechaçadx pela grande maioria votante nos EUA, isso se não fosse assassinadx. E nesse caso, sou a favor da política do "Menos Pior". Sou sim, e explicarei o porquê.


Situação política atual dos Estados Unidos

     Sou um legalista. Um estadista. Um republicano. Um democrata. Um socialista (na minha acepção do termo). Portanto, gosto muito de eleições. Gosto mesmo. Acho que o método democrático da eleição para escolher representantes é muito adequado para uma república ocidental do século XXI. E nas eleições, os candidatos não estão em pé de igualdade: os menores partidos vão sim ser suplantados e sobrepostos por seus adversários mais poderosos. O que não é nada de espantoso. Eu prefiro muito mais esse método, seguro, confiável, democrático e estável, do que outros que possam trazer instabilidade à República, na forma de revoluções sangrentas e despropositadas (vejam que também sou um pacifista). O precedente soviético de revolução ainda me assusta, sim, admito.
     "Ah, mas então você não é socialista, não quer que o socialismo vença o capitalismo?" Quero sim. Não é essa a questão. A questão é que eu não acho que boicote às eleições, apoio a candidatxs que não podem fazer nada, ativismo político de final-de-semana e imposição de certas leituras sobre o mundo a outras pessoas sejam os melhores métodos para atingir o socialismo. Acho que o melhor método para atingir o socialismo é votarmos numx socialista. Ou se não pudermos, numx social-democrata. Ou se não pudermos, numx capitalista mais preocupadx com questões sociais.
     Uma coisa eu vejo, camaradas. É que um fantasma assombra a Europa. E as Américas, e a Ásia, e a África, e a Oceania e todo o mundo: o fantasma (não do comunismo, mas) do povo. O povo pode sim ser uma massa agente da história. Basta que votem. E votem sim no menos pior, se ele tiver chances de vitória. Seria bastante idealista e bacana votar no Mané Marx, com sua dialética materialista prometendo acabar com a desigualdade social, mas o Mané não tem chances de vencer. Então, que pena, Mané, você não tem meu voto. Eu vou votar no menos pior que puder vencer, sim!
     Porque, um dia, eu espero, o menos pior será de fato o melhor candidato.

domingo, 9 de setembro de 2012

O Homem está sofrendo

    No outro dia, quando liguei a televisão, vi, estarrecido, um homem sofrendo. O homem urrava de dor, contorcia-se, pulava, chutava e socava a torto e a direito, quem estivesse por perto. O homem estava jogado, com cordas amarradas por seu corpo todo, no meio de uma arena. Uma queimadura ainda fumegante ardia em suas costas. Ele estava visivelmente agonizando. Mas a multidão não estava gritando pedidos de socorro ao pobre homem; igualmente, não pedia a soltura daquelas amarras ou mesmo que lhe dessem água para apaziguar sua queimadura ou roupas para cobrir sua nudez.
    A multidão, impiedosamente, saudava, não o homem, mas o caubói.

O Jardim

E o jardim
o jardim sou eu
planto e colho
o jardim sou eu
mandei plantar minha mente n
o jardim (que) sou eu
e o que me nasce
é pura poesiarte
porque as flores nascem no jardim
e o jardim sou eu

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Uma Namorada

quando eu era criança
mas criança já não tão pequena
coube ao acaso me dar
- por entre suspiros e olhares,
bilhetes e flores -
uma namorada
era bela como o podia ser
uma garota nos seus doze anos
com sua bela caligrafia
no seu belo caderno rosa
usava seu belo uniforme de escola
e sua beleza, infinda
- infinda como podia ser
uma beleza nos seus doze anos -
eis que, naquele dia
já não estava a me olhar
tão belamente
- o quão belo pode ser
um olhar nos seus doze anos -
e se perde uma namorada
e um beijo no hoje-em-dia talvez
valha tão pouco, não chega a um vintém
mas o beijo que ela não me deu
mas deu nele
foi o fim da minha fortuna
o fim mais trágico
- o quão trágico pode ser
um fim nos seus doze anos.

Lonjura

longe
quão longe se estende o longe
há de se ter paciência de monge
longa paciência monástica
e lá no monge, lá no topo
da mais alta cordilheira
longamente eu espero
pelo meu amor

Ou eu ou outra

eu era bela e tão paciente
e cuidava das suas coisas
e era alegre sorridente
e era feliz ao seu lado
e nosso amor, de vento em popa
e nossa vida, uma alegria
e eu era o bem dele e ele, o meu bem
mas era assim com ela também.

terça-feira, 31 de julho de 2012

Lavoisier

e no final, é só isso mesmo
do pó viemos, ao pó voltaremos
e não há nada a fazer
a não ser viver o antes
e deixar que os outros reparem
que ainda viveremos o depois
no tudo

Nossos ídolos ainda são os mesmos


Sou de novo o mesmo poeta
- só que com mais café agora - 
trago comigo minh'alma pateta
diferente do êxtase que tive outrora
e de novo essa farsa, de novo essa sina
de poeta
com muito café no copo

Tinta ao alho e óleo

Preso numa série de
Campbell's warholianas
ando por aí
sonhando por aí
Vendo uma série de
Marilyn's warholianas
ando por aí
(tropeçando por aí)
Comendo uma série de
Bananas warholianas
ando por aí
cuspindo em tudo isso aí
- Não como tinta, Andy!

Tinha uma vida no meio do caminho

Ah, se os tiros fossem mais altos
que as flores desabrochando
se os helicópteros fossem maiores
que os beija-flores voando
se os aviões fossem mais potentes
que as andorinhas buscando o verão
se os tanques fossem mais fortes
que as tartarugas longevidando em Galápagos, vistas do Beagle
se os outdoores fossem mais brilhantes
que o escaravelho rolando excremento
e se uma maleta de dinheiro
- um milhão! - fosse mais valiosa
que meu coração batendo
Ah, se eles fossem assim
aí a vida não teria sentido pra mim
-
mas eles não são.

Modern(a C)idade

o viver na cidade é pura luta
a luta constante do homem
com a ordem
a luta constante
pelo pleno usufruto de suas faculdades inerentes
de sua essência intrínseca
menos carros, por favor, Sr. Prefeito;
mais plantas nas calçadas, por favor, Sr. Vereador;
mais humanidade, por favor, Sr. Secretário.
mais vida, menos cidade,
por favor.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

e quando?

e quando as palavras já não fluem mais?
quando tudo foi posto a perder?
quando era mesmo de vidro
e se quebrou?
o que fazer quando acaba?
acaba o amor, acaba a amizade, acabam as horas os sorrisos a alegria a vida juntos e todos os outros sonhos de alegria pro resto da vida

o que fazer quando acaba o resto da nossa vida?

Fugere Urbem

Onde está Wally?
Essa é a pergunta
Não sabemos
talvez atrás do caixote
talvez perto do pipoqueiro
Mas talvez tenha tomado coragem
E saído do quadro
foi viver sua vida
Longe da loucura, da aniquilação do eu, longe da massa
foi ser feliz

Onde está Wally?
Na felicidade.

Nunca


e talvez
- mas só talvez - 
eu devesse desistir.

Mas só quando
talvez = nunca.

dois reais

aqueles pretos quase noites
pretos quase podres de tão pobres
levam porrada dos quase tiras quase donos do mundo
e quase mortos quase pobres
e tá quase dois reais a pedra
são feitos quase bichos
quase alvos, quase um fim do mundo
são quase - MAS NÃO SÃO - gente

Estou em casa

   e os prédios erguem-se imponentes com seus tijolos aparentes, sua idade e sua beleza, sua imponência machucada, seu misto de manicômio e fábrica de automóveis.
   e os velhos viadutos, os velhos botecos, com velhas luzes de neon, já desgastada, sopra vida de seus balcões velhos e engordurados.
   e minha boa e velha sobriedade não me impede de viver - talvez pela primeira vez - e eu posso ser e estar e viver e cantar e escrever

   até que enfim eu pude escrever. ufa.

Sobre ser amigo sem se conhecer

centro
antro não tão lento
"é o lugar do momento!"
eu tento, tento, mas
não me contento
hei de, então, atento,
centrar-me mais
farei do âmago da coisa
do sumo da coisa
da polpa da coisa
do centro da coisa
meu alimento

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Augusta

todos os mais estranhos estavam por ali
as bruxas, os elfos, os duendes
estavam ali
com sua magia rara, sua aparência disforme
(seus séculos e séculos e mais séculos de lendas)
estavam ali
e por um momento estão ali
e em seguida estiveram ali
e fogem para suas tocas, todos pelo mesmo buraco
e vão, numa alegre comunhão de quem não é aceito
e, exatamente por isso, aceita
e vão os clowns, os malabaristas, o coro grego
as putas, os homeless, os doentes
e até mesmo os ricos artistas curitibanos que hão de depositar-se na viela mais avenida mais bulevár mais rica da mais pura boemia
todos eles vão se deitar
porque magia não acontece de dia
magia aconteceu de noite

e acontecerá em outras noites

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Mano Velho

ei, tempo, meu amigo
fala
falta um tanto ainda, né
falta
mas deixa eu te falar...
ah, não, gabriel, eu não vou correr não
ah, mas era sobre isso mesmo que eu ia te falar: corre mais devagar um pouco. pode ser?

Sabor

era o sabor dos seus beijos
primeiro manteiga de cacau
depois outras coisas
chocolate meio-a-meio
macarrão congelado a bolonhesa
sorvete de frutas com confetes
comida caseira (slow food)
e depois mais nada
deixou gostinho de quero mais
gostinho de quero pra sempre.

domingo, 6 de maio de 2012

Voltou

Hoje tá foda.
Eu te amo.
Me desculpe.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

1 + 1 = 2

Uma piscada na estrada. Olhos de caçador fechados por um segundo. E o meu algoz à minha frente. Pneus gritando no asfalto frio do outono. Porta, teto, porta, rodas, porta, teto, porta, rodas no chão. E tudo volta.
Eu queria era brincar, ser criança. Mas não. Devo caçar. Coisa de homem. E aquela garota da lanchonete, tão bonita. Era difícil, eu sei, mamãe ajudava muito antigamente. Mas, girando, basta uma matemática bem simples: coisas somadas na nossa vida nos dão o resultado no final. E às vezes a soma nos impressiona. Somando-se o controle do meu pai e a passividade da minha mãe, o que temos?
Temos uma matemática quase pecaminosa, que nos engana com suas trocas de sinal inesperadas, suas potências absurdas e suas divisões entre diferentes momentos. Mas a verdade, não, a verdade não pode ser dividida.
E o meu algoz? Eu somado a ele temos meu pai decepcionado. Aquilo eu não faria. Até pensei em fazer pra agradar a garota. Mas não sou eu.
Mas e se eu estiver errado?
E se minha raiva for eu tentando voltar pra onde sempre estive?
E se eu acreditar que tudo isso é maravilhoso?
Talvez a matemática não seja tão simples assim.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Faz onze meses aquele sentar-nos nas escadas e conversarmos até as três da manhã.

Águas de Março

Só a tristeza me coloca aqui, né?
Acho que você - é, você mesmo - nem entra mais.
Nossas chuvas acabaram. Quem sabe num outro verão?
Mas acho que não. Você já chove em outro alma
talvez
menos plúmbea
talvez
mais simples
talvez
mais perto
talvez
- mas só talvez -
a sua alma-gêmea (eba!, até que enfim).
E você, minha alma-gêmea, minha chuva de verão,
talvez
finalmente
tenha ido-se embora.