sábado, 7 de maio de 2011

Porque não simpatizo com a existência de forças armadas?

"Quando penso nos desfiles militares de 7 de setembro, não sinto nenhum orgulho. Pelo contrário, me lembro de como não simpatizo nem um pouco com a existência das forças armadas. Os fundamentos históricos e regimentais da existência de corpos militares são algo cuja extinção faria um bem inestimável à humanidade, que passaria a viver muitíssimo mais próxima da paz perpétua.

Não são poucos os aspectos elementares do militar que antipatizo convictamente. Aspectos como a obediência cega, a repressão da compaixão e o próprio ato de manusear instrumentos que causam morte, dor e sofrimento me fazem defender o fim de todos os exércitos do mundo – desconsiderando a possibilidade remota de invasão militar extraterrestre.

Em primeiro lugar, o mais pernicioso mandamento das forças armadas é aquele que me dá mais repulsa às mesmas: obedecer às ordens dos “superiores” sem nada questionar. Não simpatizo com a ideia de ser obrigado a acatá-las, por mais antiéticas e arbitrárias que sejam, e não poder sequer perguntar por que devem ser cumpridas – e correr o sério risco de ser preso ou sofrer outras sanções repressivas se eu ousar questionar ética ou politicamente o que me mandam fazer.

À obediência cega forçada do militar, estão ligadas algumas importantes aberrações éticas, como a guerra. É fato que, se eu for convocado para uma guerra, serei obrigado a torturar e matar, por ordem superior, homens que jamais tive nada contra, até por nunca tê-los conhecido nem interagido socialmente com eles. Serei forçado a assassiná-los pelo único fato de que eles nasceram em outro país e foram obrigados, assim como eu, a obedecer seus “superiores”.

Me aterroriza a ideia de que, se eu me recusar a matar tais pessoas, serei executado como “traidor da pátria” (para quem não sabe, pena de morte no Brasil é legalizada para os militares em tempos de guerra, e recusar-se a matar soldados “inimigos” no campo de batalha seria uma insubordinação punida com a morte ou uma longa detenção).

Outra questão ética é que, se eu fosse soldado e houvesse um golpe militar que derrubasse o/a presidente, eu seria automaticamente obrigado a agredir ou mesmo matar quem estivesse protestando contra a nova ditadura. Mesmo se quem estivesse ali lutando pacificamente pela liberdade e pela democracia fosse meu pai, minha mãe, meu irmão, uma filha ou filho meu, ou meu melhor amigo desde a infância, seria forçado pelas ordens superiores a agredi-los, ou talvez a atirar neles.

Também penso que um soldado, para se tornar uma “unidade” repressora a serviço do Estado de Polícia ou um matador de soldados “inimigos”, é obrigado a reprimir seus bons sentimentos – a compaixão, o amor à vida própria e alheia, a piedade e o senso de misericórdia – e dar lugar a instintos brutos que o tornam submisso e violento.

Isso, além do medo de punições, explica o soldado estar pronto para obedecer instintivamente à primeira ordem de atirar para matar, e também o fato de muitas “unidades” serem muito suscetíveis a ceder a comportamentos tipicamente criminosos, como torturar prisioneiros por uma causa “maior” e estuprar mulheres desamparadas no campo de batalha.

Saindo do ato de “obedecer sem questionar”, parto para um detalhe que atenta contra a dignidade humana. É o fundamento militar de “servir à pátria” na base da violência, a qual é o fundamento magno da existência de forças armadas. O militar é persuadido em seu serviço de que fazer o melhor por seu país é pegar em armas, instrumentos cujas funções principais são oprimir e assassinar, e obedecer ordens como se fosse uma máquina sob controle, atirando para matar quando o “superior” mandar.

Embora em tempos de paz haja atividades humanitárias por parte do Exército Brasileiro em comunidades de necessitados – pelo menos é isso que é mostrado nas propagandas da TV –, isso qualquer ONG e qualquer civil livre de compromissos militares pode fazer, e com muito mais altruísmo do que qualquer soldado agindo sob ordem. E também não foi para fazer filantropia que o regimento militar foi criado.

Outro ponto antipático do corpo militar é a anulação da individualidade. Um homem de baixa hierarquia é apenas uma unidade, um nome, perante o Exército. Sua personalidade e características individuais não são nada para as forças armadas. Os “superiores” não querem saber se você é extrovertido, simpático, tímido ou mulherengo, se você escreve livros, se é um ídolo do futebol, se é um professor de crianças, se tem amigos do peito em outros estados e países, se ama sua família. O que desejam é apenas que você seja “mais um”. Mais um autômato disposto a morrer pelo Estado, “pela pátria”.

Me lembro do documentário intitulado “Nós que aqui estamos por vós esperamos”, que mostra entre os instantes 10:20 e 10:35 uma declaração de Cristian Boltanski sobre mortes na guerra: “Em uma guerra não se matam milhares de pessoas. Mata-se alguém que adora espaguete, outro que é gay, outro que tem uma namorada. Uma acumulação de pequenas memórias…”

Personalidades únicas e insubstituíveis, no quartel, viram meros substantivos, análogos a números. Se eu fosse um soldado, não seria Robson Fernando, ateu, vegano, amante da natureza, carente de boates flashbacks, aspirante a formador de opinião, fã de professores do passado. Mas apenas um corpo obediente e uniformizado de nome “SD Souza”.

Na guerra todos se tornam autômatos, peças substituíveis. Para a força armada, não importa nem um pouco se um filósofo renomado, um épico ídolo do futebol, um professor adorado por seus mais de 300 alunos ou simplesmente um jovem anônimo apaixonado pela vida, por sua namorada e por sua família morreram. São baixas, nada mais que unidades perdidas, que podem ser substituídas por outras “novas” (as tropas que ainda não desembarcaram ou os reservistas).

Aliás, há um espaço para a individualidade quando o indivíduo se torna um “herói” por matar mais pessoas ou por ser um senhor de guerra fiel aos interesses de seu Estado. Heroísmo esse profundamente questionável, um duplipensar que trata assassinos de circunstâncias diferentes com dois pesos e duas medidas.

Se um homem mata centenas de pessoas na sociedade, é um criminoso hediondo, um serial killer que, segundo a sociedade, deveria ser condenado à morte o quanto antes. Mas se assassina centenas de homens de outro país (ou do próprio país, desde que sejam considerados “rebeldes”) numa guerra, indivíduos cujo único “crime” é obedecer, sem o mínimo poder de questionar, às ordens superiores de seus oficiais, é considerado um herói e passa a ser venerado por gerações.

O último motivo aqui expresso que me dá antipatia pelo militar é o fato de que só existem forças armadas porque existem forças armadas. Se não existissem neste mundo corpos militares dispostos a invadir e agredir outros países, com toda certeza não haveria qualquer necessidade de se criar exércitos de defesa, não existiriam ameaças às soberanias nacionais.

Se não existissem forças armadas, nenhum monarca ou presidente poderia de forma alguma ser um ordenador de guerras, exercer um comportamento de líder opressor e tirano. Não haveria ninguém de arma em punho pronto para acatar à ordem do estadista de matar um opositor ou dissidente, reprimir com violência extrema um protesto pró-liberdade ou invadir um outro país.

Há vários outros motivos que fundamentam meu antimilitarismo, mas as causas acima já explicam muito, o bastante para tornar este artigo ao mesmo tempo compacto e abrangente. A internet brasileira ainda é muito pobre em conteúdo antimilitarista, e espero que meu texto opinativo dê alguma luz ao assunto e quebre o silêncio que hoje existe. Termino-o dizendo que, se estivéssemos sendo governados por militares, este texto provocaria certamente minha morte por subversão, não sem uma sessão prolongada de torturas."

Robson Fernando de Souza
http://consciencia.blog.br/2010/09/por-nao-simpatizo-existencia-de-forcas-armadas.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário