sábado, 12 de junho de 2010

Uma outra noite qualquer

Eu entrei naquela noite, de novo. Devia parar de visitar o "clube", como eles (e elas) chamavam. Meu chapéu-coco demonstrava a diferença do meu status: não possuía dinheiro, não possuía cartola. Minha camisa amarelada e meu casaco sujo não combinavam com o vermelho-dourado-e-brilho do lugar, o que fazia com que eu passasse despercebido pelos olhos empapuçados e bigodes sujos dos industriais. Dos camarotes saiam brados embriagados e risadas altas, falsas, femininas, pagas, contribuindo para o tom alegre de desapego e excitação que pairava entre as fumaças de charuto e os goles de bebida.
Ela estava no palco, a cinta-liga dourada refletindo o brilho dos lustres de cristal. Parecia intocável, inabalável; impossível de existir, até. Impossível de existir por natureza própria: ela existia para os outros, para o prazer dos outros. Sua impossibilidade de existiria ao encontro da minha impossibilidade de tê-la. Eu não podia nem me embebedar naquele lugar. A bebida era cara e meu aluguel já estava atrasado. Atrasado.
Eu estava atrasado na vida dela.. Se eu a tivesse conhecido antes desse mundo, quem sabe o que poderia ter acontecido. Talvez eu passado batido por ela. Talvez eu tenha me apaixonado pela impossibilidade, afinal, se o seu objetivo é impossível, você não precisa tentar, não vai tentar, não consegue tentar.
Saí do "clube" com a chuva negra de Paris sobre meus ombros cansados. Olhei as ricas carruagens que passavam. Olhei minha vida que passava. Voltaria outras noites, outras infinitas noites de admiração e tristeza.

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