sábado, 12 de junho de 2010

Um a mais, um a menos

Carlos não conseguia ter bichos de estimação. Todos morriam. Sua mãe, D. Lúcia, consciente disso, só comprava bichos pequenos, para que os enterrinhos fossem menos custosos. Ela não ligava muito para os bichinhos, na verdade. Mas Carlos ligava. Roubava facas e afiadores de seu pai, açougueiro, e as transformava em verdadeiros bisturis. Ele gostava mesmo era de vê-los com pânico no olhar, amarrados com fita isolante a um banco de pedra no terreno balido ao lado, enquanto observava os coraçõezinhos dos hamsters e passarinhos dando as últimas batidas depois das incisões cirúrgicas feitas pelo garoto.
João, do bairro ao lado, não saía nunca do quarto. Fazia suas refeições lá, mergulhado em livros rigorosamente limpos e bem-cuidados. Seu quarto lembrava mais uma livraria do que uma biblioteca. Quem entrasse naquele quarto se perguntaria se alguém algum dia lera aquelas enciclopédias, biografias, livros didáticos. Histórias, poemas, romances? Não. Seus quase três mil livros não continham nenhum suspiro de amor, nenhuma lágrima, nenhum abraço. As informações são superiores, dizia o garoto.
Alex, da rua de baixo, mudou várias vezes de escola. As garotas o deduravam às diretoras quando as levantadas de saia, os apertões na bunda e as exibições genitais espontâneas passavam do limite do aceitável. As suas coleções de revistas, vídeos e outros materiais pornográficos invejavam boa parte dos seus amigos e colegas de classe. Aos treze, já havia frequentado muitos dos bordéis da região.
O Colégio Estadual nunca recebera grupo tão estranho. Um dos garotos vinha duma escola normal do bairro e, dizia-se, não era muito afeito a animais. O outro, mais esquisito que o primeiro, ia pela primeira vez à escola: havia sido educado em casa até o fim do 1º grau. O terceiro, um pervertido, havia sido "convidado a se retirar" de mais de quinze escolas durante a vida toda. A diretora pouco se preocupou. Mal-comportados tinham de bando no Colégio. Um a mais, um a menos, dizia a D. Marta, diretora havia 22 anos.
Do outro lado da cidade, três meses depois, coitada, a Srta. Vanessa Rodrgiues da Silva, 23, entrou para as estatísticas de maneira assustadora: estuprada, com a cabeça aberta, o coração arrancado e surpreendentemente limpa. A Polícia declarou o caso fechado depois de seis meses de inconclusivas investigações. Os pais da moça ficaram arrasados. Um a mais, uma menos, dizia D. Marta.

Um comentário:

  1. pô, achei genial a morte e o jeito como você ironizou o descaso da diretora. demais :)

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